segunda-feira, 2 de maio de 2011

Falta razão na carteira

Jurandir Sell Macedo jr., especialista em finanças comportamentais, explica como a irracionalidade afeta as decisões de investimento mesmo quando acreditamos ter os pés no chão

O que a psicologia cognitiva mostra sobre os fenômenos econômicos, principalmente sobre as nossas decisões de investimento?

Na economia clássica, na qual eu fui formado, prevalece o princípio de que nós agimos sempre de forma racional. Claro, sabemos que o ser humano nem sempre age de forma racional. Só que nós não conseguimos mapear os padrões da irracionalidade, então fazemos de conta que agimos sempre racionalmente. O que a gente vê, hoje, é uma tentativa de incorporar uma visão mais complexa de ser humano dentro desse macromodelo. Mas o princípio de racionalidade e da eficiência dos mercados continua sendo um pressuposto bom. Mesmo calcado em uma premissa falsa – a da racionalidade do ser humano –, ainda assim o modelo explica relativamente bem o comportamento dos mercados econômicos.

Como esse modelo pode ajudar a tomar melhores decisões?

Ao estudar o ser humano de forma mais complexa, principalmente através da psicologia, tenho conseguido avançar muito na área das finanças prescritivas. É dizer para as pessoas, de forma individual, o que elas devem fazer. Eu venho trabalhando muito isso na área de finanças pessoais. Em termos de mercado, infelizmente não há, ainda, modelos bons ou consistentes para se mostrar as melhores formas de ganhar dinheiro. O que conseguimos é dizer para as pessoas individualmente: “Olha, não haja assim porque você está sendo vítima de uma irracionalidade”.

É difícil chamar um investidor à racionalidade?

Nós sempre agimos sob influência de muitos aspectos não racionais. Há até uma história que eu costumo contar sobre dois vizinhos que tinham um carro e uma piscina cada um. Todos os sábados, o primeiro limpava sua piscina e pagava R$ 20 para que um rapaz lavasse seu carro. Já o segundo fazia o contrário: lavava o próprio carro e pagava R$ 20 para que o rapaz limpasse sua piscina. Certo dia, o rapaz desapareceu. O que aconteceu? Bem, se fossem 100% racionais, os vizinhos poderiam fazer uma troca simples. Um deles poderia lavar os dois carros e o outro, as duas piscinas. Seria uma coisa racional. Mas por que nós não trocamos? Porque há aí componentes irracionais. O vizinho não quer ser visto lavando o carro dos outros – vão pensar que ele é um simples lavador de carros. Então a troca nunca acontece, embora ela seja perfeitamente lógica. Nós não somos 100% racionais. Temos nossas idiossincrasias e não pensamos somente do ponto de vista econômico – também pensamos do ponto de vista social e emocional. O desafio é incorporar essas coisas dentro de um modelo de racionalidade. Isso é que é difícil.

Normalmente, nas decisões de investimentos, prevalecem elementos emocionais ou racionais?

Principalmente racionais, mas muitas vezes emocionais. O que não é necessariamente ruim. Quando a gente fala em “irracional”, muitas pessoas imaginam o sujeito rasgando dinheiro. Mas as decisões irracionais são muito simples. Imagine que você está abrindo uma caderneta de poupança para os seus filhos. Em determinado mês, você se aperta e o que você faz? Você é capaz de pegar dinheiro do cheque especial, pagando 13% de juros, só para não mexer na poupança dos filhos, não é? Pois isso é uma irracionalidade econômica. Não significa que você rasgou dinheiro, você simplesmente agiu dessa forma. Eu lembro quando recebi o primeiro direito autoral do meu livro [A Árvore do Dinheiro – Guia para Cultivar Sua Independência Financeira, da Editora Campus]. Eu lembro que disse: “Vou lá comprar um presente pessoal”. Depois pensei melhor: “Vou comprar uma bicicleta nova, cara”. Ora, dinheiro é dinheiro, é igual, eu não deveria pensar assim. São irracionalidades econômicas mas que nem sempre são prejudiciais. Agora, é claro que muitas irracionalidades nos prejudicam.

Por exemplo?

Conheço várias pessoas que se recusam a olhar quanto deu uma determinada conta. Não olham o cartão de crédito, evitam tirar o extrato, recusam-se a controlar os gastos. São pessoas que agem de um ponto de vista não racional e muito prejudicial para elas mesmas.

Mais ou menos como os doentes que se recusam a buscar um médico...

Exato. Muitos problemas econômicos são, na verdade, emocionais. Muitas vezes, quando você procura um consultor financeiro, a gente tem de dizer: “O seu problema não é financeiro, é psicológico”. Muitas pessoas tentam compensar uma autoestima muito baixa com um padrão de consumo irreal. Muito do nosso consumo atual está ligado a uma tentativa de se obter status social, por exemplo. As pessoas tentam recuperar o status pelo padrão de consumo: pelo carro bonito, pelo relógio caro, pela roupa de marca. Isso é muito prejudicial.

Quais são os erros mais comuns cometidos pelos investidores, na sua avaliação?

Eu acho que o principal erro é não entender o risco. Muitas pessoas dizem: “Eu não posso correr risco porque sou pobre” ou, ainda, “eu ganho muito pouco e não posso correr riscos”. Mas o risco não é sempre ruim. Tem a ver com a possibilidade de se obter perdas ou ganhos, e não apenas perdas. Se você não está bem, talvez seja até necessário correr riscos. O fato é que é necessário avaliar o risco. Mas há pessoas que nunca conhecem seus próprios limites. O segundo erro são as pessoas que exageram. Não só na hora de gastar, mas também na de economizar. Há pessoas que poderiam ter um padrão de vida muito melhor e continuam se impondo restrições, sem consumir. Outras gastam muito e não se preparam para o futuro. São os dois erros financeiros clássicos: poupar muito e morrer cedo, ou poupar pouco e demorar para morrer.

"Muitas pessoas exageram não só na hora de gastar mas também ao economizar. São erros clássicos: poupar muito e morrer cedo ou poupar pouco e demorar para morrer"

Como investidor do mercado de capitais, o que você pensa sobre a popularização de softwares que prometem eliminar noções de subjetividade ao negociar uma ação automaticamente?

Eu acho perigoso. O que eu entendo é que investimentos devem ser administrados sempre por profissionais. Se você olhar a análise gráfica ou a análise fundamentalista, as duas defendem uma gestão ativa de carteira – isto é, em ambas você compra quando o ativo está barato e vende quando ele está mais caro. A diferença é que, na análise gráfica, você usa o gráfico para estabelecer quando o seu ativo está caro ou barato. Já na fundamentalista, usa a projeção de lucros futuros comparados com os do passado. Em ambas, é necessário ter dedicação. Eu acredito que até é possível ganhar dinheiro com os softwares, mas só para os profissionais, para as pessoas que vivem do mercado. Para outras pessoas, e aí eu me incluo, eu acho que o mais adequado é gerir a carteira passivamente. Ou seja, ir comprando todo mês uma carteira diversificada de ativos.

É possível ficar rico gerindo uma carteira de ações passivamente?

Eu aplico em ações há 28 anos. Ainda não me julgo capaz de ganhar do mercado. Grande parte da minha carteira foi construída dessa forma, com ações nas quais eu acredito muito. Tenho ações guardadas há mais de 20 anos – e são as que me dão mais lucro. No entanto, como eu gosto dessa brincadeira de comprar e vender, eu separei uma pequena parcela dos meus ativos que administro de olho em análises gráficas e fundamentalistas. Mas vejo muitos médicos, empresários e outros profissionais bem-sucedidos tentando se transformar em investidores ativos do mercado. Esses acabam perdendo muito. Primeiro, porque perdem seu tempo, deixam de se dedicar à profissão para ficar comprando e vendendo ações. São essas pessoas que sofrem com as oscilações de mercado.

Você não sofre?

Nunca comemorei porque ganhei dinheiro e nunca me frustrei porque perdi. Eu sou um amante do risco. As pessoas que compram e vendem muito, se elas querem realmente fazer isso, elas têm se profissionalizar. Trabalhar em corretoras, viver disso. E aí, para essas pessoas que conhecem muito o mercado, esses softwares podem até ajudar. Mas acho que ninguém deveria investir num sistema desses sem entender a lógica por trás do software. É preciso saber o que está lá dentro, o que o robô está fazendo. Não adianta acreditar que ele é “milagroso”. Se fosse, bancos como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil comprariam o melhor robozinho e ganhariam de todo mundo.

Até que ponto os investidores se impõem essa espécie de “me engana que eu gosto”?

Isso é outro problema econômico grave. Muitas vezes, nós nos achamos melhores do que realmente somos. Se você perguntar em um grande auditório “quem aqui é melhor motorista que a média?”, você vai ver que 80% levantará o braço. Todos nós nos achamos mais bonitos que a média, mais honestos que a média etc. Nós somos assim. As pessoas se julgam melhores investidores do que de fato são. E aí acabam fazendo besteiras. É preciso ter humildade na hora de investir.

Mesmo no caso de investidores que já ganharam muito dinheiro?

O sucesso sempre embriaga a gente. É altamente ilusório, inclusive para quem não está no mercado. Se uma pessoa abre uma pequena empresa e dá certo, ela acaba abrindo outra. No mercado de ações é assim: você começa, ganha uma, ganha duas, ganha três e aí você começa a achar que é o maioral. Mas nada impede que o seu sucesso tenha sido mera casualidade, uma coincidência da estatística. O que acontece quando você sofre um revés? Há pessoas que adquirem humildade, que começam a se olhar e a refletir: “Eu não era tão bom assim, por que errei?”. São essas pessoas que têm mais sucesso na vida. Mas há aquelas que se tornam arrogantes. Pessoas que acreditam que vão ganhar de qualquer jeito, porque sempre acertaram. Se elas erraram, foi porque “desta vez” o Lula sacaneou, porque o Plano Collor apareceu etc. Elas culpam os outros. É da vida. No mercado de ações é a mesma coisa.

Recentemente, o mundo mergulhou em uma crise histórica devido ao descontrole do sistema financeiro nos Estados Unidos. A crise foi um sintoma de irracionalidade?

Eu acho que a crise é justamente o contrário. É um momento de retomada da racionalidade. Claro que houve uma irracionalidade, um descontrole brutal e falta de regulação – que, somados, levaram à crise das hipotecas. Nas empresas e nos bancos de investimentos, juntavam-se produtos bons e produtos ruins na esperança de que os ruins “sumissem” lá no meio. Isso, sim, é irracionalidade ou até má-fé. Mas penso que a crise é um momento de retomada da racionalidade.

Fonte: http://www.amanha.com.br/home-internas/1800-falta-razao-na-carteira

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